[...]
4.
A competência da Justiça Federal
aplica-se aos crimes ambientais que também se enquadrem nas hipóteses
previstas na Constituição, a saber: (a) a conduta atentar contra bens,
serviços ou interesses diretos e específicos da União ou de suas entidades
autárquicas; (b) os delitos, previstos tanto no direito interno quanto em
tratado ou convenção internacional, tiverem iniciada a execução no país, mas
o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro - ou na hipótese
inversa; (c) tiverem sido cometidos a bordo de navios ou aeronaves; (d)
houver grave violação de direitos humanos; ou ainda (e) guardarem conexão ou
continência com outro crime de competência federal; ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, conforme previsão expressa da
Constituição.
[...]
7. (a) Os
compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro, perante a comunidade
internacional, de proteção da fauna silvestre, de animais em extinção, de
espécimes raras e da biodiversidade, revelaram a existência de interesse
direto da União no caso de condutas que, a par de produzirem violação a estes
bens jurídicos, ostentam a característica da transnacionalidade. (b) Deveras,
o Estado Brasileiro é signatário de Convenções e acordos internacionais como
a Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais
dos Países da América (ratificada pelo Decreto Legislativo nº 3, de 1948, em
vigor no Brasil desde 26 de novembro de 1965, promulgado pelo Decreto nº
58.054, de 23 de março de 1966); a Convenção de Washington sobre o Comércio
Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de
Extinção (CITES ratificada pelo Decreto-Lei nº 54/75 e promulgado pelo
Decreto nº 76.623, de novembro de 1975) e a Convenção sobre Diversidade
Biológica CDB (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 2,
de 8 de fevereiro de 1994), o que destaca o seu inequívoco interesse na
proteção e conservação da biodiversidade e recursos biológicos nacionais. (c)
A República Federativa do Brasil, ao firmar a Convenção para a Proteção da
Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, em
vigor no Brasil desde 1965, assumiu, dentre outros compromissos, o de “tomar
as medidas necessárias para a superintendência e regulamentação das
importações, exportações e trânsito de espécies protegidas de flora e fauna,
e de seus produtos, pelos seguintes meios: a) concessão de certificados que
autorizem a exportação ou trânsito de espécies protegidas de flora e fauna ou
de seus produtos”. (d) Outrossim, o Estado Brasileiro ratificou sua adesão ao
Princípio da Precaução, ao assinar a Declaração do Rio, durante a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO 92) e a Carta da
Terra, no “Fórum Rio+5”; com fulcro neste princípio fundamental de direito
internacional ambiental, os povos devem estabelecer mecanismos de combate
preventivos às ações que ameaçam a utilização sustentável dos ecossistemas,
biodiversidade e florestas, fenômeno jurídico que, a toda evidência, implica
interesse direto da União quando a conduta revele repercussão no plano
internacional.
8.
A ratio essendi das normas consagradas no direito interno e no direito
convencional conduz à conclusão de que a transnacionalidade do crime
ambiental, voltado à exportação de animais silvestres, atinge interesse
direto, específico e imediato da União, voltado à garantia da segurança
ambiental no plano internacional, em atuação conjunta com a Comunidade das
Nações.
9.
(a) Atrai a competência da Justiça Federal a natureza transnacional do delito
ambiental de exportação de animais silvestres, nos termos do art. 109, IV, da
CF/88; (b) In casu, cuida-se de envio clandestino de animais silvestres ao
exterior, a implicar interesse direto da União no controle de entrada e saída
de animais do território nacional, bem como na observância dos compromissos
do Estado brasileiro perante a Comunidade Internacional, para a garantia
conjunta de concretização do que estabelecido nos acordos internacionais de
proteção do direito fundamental à segurança ambiental.
10.
Recurso extraordinário a que se dá provimento, com a fixação da seguinte
tese: “Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de
caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e
espécimes exóticas ou protegidas por Tratados e Convenções internacionais”.
(RE
835558, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2017,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 07-08-2017 PUBLIC 08-08-2017)
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